Felipe Pozebon e Walter Dias
O Grande ABC paulista tem um legado de protagonismo industrial que remonta à implantação da indústria automobilística no Brasil. As cidades da região, que, se fosse um estado, teria o quarto maior PIB do país, respiram tecnologia, inovação e produtividade e não à toa abrigam grandes multinacionais, centros de pesquisa avançados, universidades de excelência e startups, formando um dos ecossistemas mais robustos do país em termos de capacidade técnica, infraestrutura e capital humano. Só que esse potencial não se reflete proporcionalmente na captação de recursos públicos para inovação.
De acordo com dados da Finep — principal financiadora pública de ciência, tecnologia e inovação do Brasil —, entre os anos de 2020 e 2025, foram contratados mais de R$ 15 bilhões em recursos diretos para projetos inovadores em todo o território nacional. Desse montante, pouco mais de R$ 670 milhões foram destinados a projetos sediados nos municípios do Grande ABC. Isso representa tímidos 4,4% do total, resultantes de dois grandes projetos da Volkswagen, que somam pouco mais de R$ 480 milhões, ou seja, mais de 70% de tudo que foi contratado no ABC nesse período veio de uma única empresa.
Isso escancara uma realidade preocupante: a captação de recursos públicos para inovação ainda é extremamente concentrada e subaproveitada por grande parte das empresas locais — inclusive médias e grandes.
Há, portanto, uma oportunidade clara de avanço. Se, por um lado, o ABC já figura como polo industrial e tecnológico, por outro, seu protagonismo poderia ser mais expressivo caso houvesse maior articulação entre setor produtivo, academia e governos locais para estruturar projetos aderentes às políticas públicas de fomento, como os financiamentos reembolsáveis e não reembolsáveis da Finep, os fundos do BNDES, e as parcerias com ICTs.
A inovação hoje não depende apenas de competência técnica, mas também de capacidade de mobilizar recursos, construir governança e transformar intenções em projetos estruturados. E, nesse sentido, o ABC ainda está aquém do que poderia — e deveria — ser.
Essa lacuna se torna ainda mais crítica diante do atual cenário macroeconômico. A taxa Selic, atualmente em 14,25% ao ano, tem projeções de ultrapassar os 15% até o fim de 2025, segundo o Boletim Focus do Banco Central. Esse ambiente de juros elevados impõe um alto custo de capital para os investimentos produtivos, restringindo a viabilidade de projetos transformadores, sobretudo em setores de base tecnológica, infraestrutura e sustentabilidade.
Nesse contexto, recorrer a instrumentos de fomento estruturados torna-se uma estratégia essencial. Finep e BNDES têm exercido papel central nesse esforço, com linhas de crédito a partir de TR + 2,5% ao ano, carência de até 48 meses e prazos de amortização de até 240 meses. A vinculação à Taxa Referencial (TR) garante previsibilidade financeira, aspecto crucial para decisões de investimento em ambientes econômicos voláteis.
Além dos financiamentos reembolsáveis, as políticas públicas também têm ampliado significativamente os recursos não-reembolsáveis disponíveis para empresas que queiram investir em inovação. Atualmente, somam-se mais de R$ 8,8 bilhões em chamadas públicas abertas para projetos voltados a áreas estratégicas como agroindústria sustentável, transformação digital, saúde, bioeconomia, mobilidade, mineração crítica, descarbonização, cadeia automotiva, defesa e setor aeronáutico, por exemplo. Esses recursos contemplam desde a implantação de centros de PD&I e plantas piloto até o fortalecimento de cadeias industriais complexas, com mecanismos que favorecem o investimento privado em inovação com menor risco e maior impacto tecnológico.
O que falta, portanto, não é oportunidade, mas, sim, uma mudança de estratégia das empresas. O Grande ABC possui todos os elementos necessários para assumir um papel de maior protagonismo na captação de recursos públicos para inovação. O desafio está em transformar seu potencial industrial em projetos bem estruturados, com foco em governança, cooperação e alinhamento com as políticas públicas vigentes.
Mais do que nunca, inovar é também um ato de posicionamento político e estratégico. E o ABC precisa ocupar seu espaço nesse debate.
Felipe Pozebon – Líder da área de Inovação e Fomento do Simões Pires
Walter Dias – Empresário e CEO do LIDE Grande ABC