O governo de São Paulo recuperou cerca de R$ 10 milhões que estavam bloqueados na conta de investigados por lavagem de dinheiro e jogos de azar. Pela primeira vez, o recurso será revertido para a segurança do estado.
O acordo que envolve o Ministério Público é o primeiro do Núcleo de Recuperação de Ativos (Recupera-SP) do governo paulista, que prevê a destinação de recursos apreendidos com o crime organizado para o Fundo de Incentivo à Segurança Pública. O decreto regulamentando o programa foi publicado em setembro.
O valor, que será repassado para a Secretaria da Segurança Pública (SSP), envolve uma investigação realizada por policiais de Taubaté, com uma operação deflagrada em novembro do ano passado. O investigado realizou um Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) com o Ministério Público, abrindo mão dos bens apreendidos sem origem comprovada em troca de redução na pena.
A Justiça analisou o pedido e homologou o ANPP. O MP teve uma participação ativa tanto no cumprimento dos mandados contra a quadrilha quanto no apoio técnico para usar o dinheiro bloqueado das contas dos envolvidos para obter melhorias às forças de segurança do estado.
A assinatura da transferência para Fundo de Incentivo à Segurança Pública aconteceu nesta terça-feira (26) na sede da SSP. Participaram da reunião celebrando o acordo o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, o subprocurador-geral de Justiça Criminal, Ivan Francisco Pereira Agostinho, o promotor Alexandre Castilho, entre outras autoridades.
Essa ação inédita do Recupera-SP representa um dos esforços da atual gestão da Secretaria da Segurança Pública, na avaliação do chefe da pasta, Guilherme Derrite.
“São recursos lavados pelo crime organizado, identificados durante as investigações policiais, que agora são usados para investir em segurança no próprio estado. Dessa forma, nós estamos enfraquecendo as quadrilhas e fortalecendo nossa estrutura de combate ao crime”, observou. “Esse caso é o primeiro de muitos que virão, resultado de um trabalho bem feito integrado com o Ministério Público.”
Os recursos já possuem destino, sendo aplicados nas Polícias Civil, Militar e Técnico Científica da região de Taubaté, onde a investigação aconteceu. A maior parte do valor será para a construção de uma nova sede para a Delegacia Seccional do município. A PM receberá quatro drones, que serão adquiridos para reforçar as ações preventivas e ostensivas na região.
Além disso, será realizado um leilão para a venda de um imóvel usado pela quadrilha em Pindamonhangaba. O total arrecado com os bens será destinado para a reestruturação e reforma do Instituto Médico Legal (IML) da mesma cidade.
Os veículos apreendidos com os investigados também serão leiloados e, o dinheiro, utilizado para a compra de viaturas para a “Patrulha Maria da Penha”, da Guarda Civil Municipal de Pindamonhangaba, para acompanhamento preventivo e garantir maior proteção às mulheres vítimas de violência doméstica.
O promotor Alexandre Castilho, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público, contou que o ANPP é pioneiro no sentido de direcionar verbas para investir em segurança pública.
“Essa atuação conjunta é uma demonstração para sociedade da importância do trabalho integrado entre as instituições, desse viés de recuperação de ativos e destinação de valores de interesse social, e nada mais simbólico do que a utilização de um dinheiro ilícito para a construção de uma delegacia de polícia”, observou.
Processo de autorização judicial para a recuperação de ativos ilícitos
Há três formas de fazer com que os valores e bens apreendidos nas operações policiais, com a devida autorização judicial, sejam destinados ao Fundo de Incentivo à Segurança Pública.
1. Sentença penal transitada em julgado: ocorre após todo o processo de investigação e prisão dos envolvidos, quando eles são julgados e condenados pelo crime. Logo, todo o dinheiro que comprovadamente foi obtido por meios ilícitos, além dos bens em nome dos investigados, são destinados ao Estado.
2. Autorização para alienação antecipada: quando o Poder Judiciário permite que, mesmo antes do fim da ação penal, seja possível usar o valor apreendido para financiar o combate ao crime organizado. Caso o investigado seja inocentado ao fim do julgamento, ele recebe o recurso de volta.
3. Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) em inquérito sobre lavagem de dinheiro: serve como um instrumento negocial, como se fosse um acordo judicial entre as partes envolvidas e o Poder Judiciário para possível diminuição de pena, por exemplo. Nesse caso, é feito uma espécie de contrato, que é revisado pela Justiça para garantir que esteja de acordo com a legalidade. Se estiver tudo certo, há a homologação e, a partir disso, os valores e bens obtidos ilegalmente pelos investigados ficam em poder do Estado.
Vale ressaltar que o Acordo de Não Persecução Penal é uma medida alternativa apenas para crimes cometidos sem violência ou grave ameaça.
Transparência
Esse é o primeiro caso, desde que a criação do Recupera-SP, que de fato trouxe retorno financeiro, mas o projeto também prevê a publicação dos valores apreendidos em painéis que informam a destinação e o investimento realizado pelo estado. Marcadores divulgarão sobre os recursos obtidos com a venda de bens apreendidos do crime organizado.