A Estação Prefeito Celso Daniel–Santo André, ou, para a maioria dos moradores, ainda apenas “Estação Santo André”, é muito mais do que um ponto de embarque e desembarque no centro da cidade: ela é o nó em que se cruzam trem da CPTM, ônibus municipais, linhas intermunicipais da EMTU e o tradicional corredor de trólebus do ABC. É ali que boa parte da rotina da região metropolitana se encontra: quem sai de casa cedo, quem volta tarde, quem estuda em São Paulo, quem trabalha em outra cidade do ABC. Todo mundo passa, em algum momento, pelas plataformas e terminais que cercam essa estação.
Esse ponto de conexão moldou o desenho urbano, o comércio e a forma como Santo André se relaciona com as cidades vizinhas e com a capital.
De São Bernardo a Prefeito Celso Daniel: uma estação que cresceu junto com a cidade
A história da Estação Santo André começa muito antes de o município existir como se conhece hoje. Voltando a 1867, quando a linha férrea ligando São Paulo ao litoral ainda era operada pela São Paulo Railway, a estação foi inaugurada com outro nome: Estação São Bernardo. O entorno era pouco urbanizado, com perfil quase rural, mas a ferrovia já funcionava como eixo de ligação entre interior, capital e porto.
Com o passar das décadas, o aglomerado ao redor da estação foi ganhando força própria. Comércios surgiram, armazéns se instalaram perto dos trilhos, trabalhadores passaram a circular com mais frequência. A região cresceu tanto que o nome “Santo André” acabou se impondo e, em 1934, a estação assumiu oficialmente essa denominação — mudança que só confirmou o que a vida cotidiana já mostrava: um bairro que se desenvolvia em torno dos trilhos e que tinha, além de uma dinâmica própria, um papel importante no ABC.
O prédio original sobreviveu até a segunda metade dos anos 1970, quando foi substituído pela construção que temos nos dias de hoje: mais ampla e alinhada à expansão da malha metropolitana. A inauguração do novo edifício, em 1979, acompanhou um período em que se buscava modernizar a antiga ferrovia, então já sob gestão estatal, para atender a um número cada vez maior de passageiros.
Anos mais tarde, no início dos anos 2000, a estação teve o nome ampliado para Estação Prefeito Celso Daniel–Santo André, em homenagem ao então prefeito assassinado. Na prática, o nome completo aparece em placas, mapas e anúncios sonoros, mas, na boca de quem passa todos os dias, o uso popular continuou sendo “Santo André” ou simplesmente “a estação”. O apelido curto resistiu.
Linha 10–Turquesa: o trilho que costura o ABC
Hoje, a Estação Santo André é atendida pela Linha 10–Turquesa da CPTM. Esse ramal faz a ligação entre a região do Brás, na capital, e Rio Grande da Serra, passando por São Caetano do Sul, Santo André, Mauá e Ribeirão Pires. É o trilho que atravessa o ABC de ponta a ponta.
Para quem mora na região, a Linha 10 é quase um corredor de circulação diária. Embarcar em Santo André e, em poucos minutos, alcançar Tamanduateí ou Brás significa ter acesso direto à malha do metrô e às demais linhas da própria CPTM. A estação funciona, assim, como um ponto de partida para uma rede muito maior, que se estende pela Zona Leste, pelo Centro e por outras zonas da cidade de São Paulo.
O papel desse trecho ferroviário não é novo. Ele é herdeiro direto da antiga ligação entre a capital e o porto, responsável por escoar café, bens industriais, pessoas. O que mudou foi o perfil da demanda. Se antes o foco era a carga e o transporte de longa distância, hoje a ênfase está no trabalhador que sai cedo de Santo André para chegar ao emprego na Avenida Paulista, no estudante que desce em Tamanduateí para pegar a Linha 2–Verde, na pessoa que combina trem, metrô e ônibus para garantir dois ou três vínculos de trabalho no mesmo dia.
Terminais de ônibus: os braços que espalham o fluxo pela cidade
Ao redor da Estação Prefeito Celso Daniel, o trem é só metade da história. A outra metade está nos terminais de ônibus que se encostam nas saídas da estação e se conectam às plataformas quase sem intervalo: quem passa pela catraca já enxerga, logo à frente, uma sequência de pontos, baias, letreiros.
Há linhas municipais que atendem aos bairros de Santo André, levando passageiros para regiões como Vila Luzita, Parque Novo Oratório, Sacadura Cabral, Utinga, Camilópolis, entre muitas outras. São ônibus que fazem o percurso de aproximação, ligando a periferia ao centro e garantindo que a estação seja acessível para quem está mais distante.
Junto a eles, funcionam as linhas intermunicipais e os terminais vinculados à EMTU, que fazem a conexão com outras cidades do ABC e com a capital. O destaque é a ligação com o Corredor ABD, um eixo exclusivo por onde circulam ônibus e trólebus em faixa segregada, ligando São Mateus a Jabaquara e passando por Mauá, Santo André, São Bernardo e Diadema.
Esse corredor, conhecido há décadas pelos moradores, é o caminho mais previsível para quem precisa cruzar o ABC em horário de pico. Ao descer do trem em Santo André, o passageiro pode embarcar no trólebus rumo a Diadema ou São Bernardo, por exemplo, sem depender diretamente do trânsito da Avenida dos Estados. O resultado é um sistema em que o trem traz grandes volumes até o centro, e os ônibus e trólebus se encarregam de “espalhar” essas pessoas em trajetos menores, completando a viagem.
Integração com SPTrans e metrô: a porta do ABC para São Paulo
Outro aspecto que transforma a Estação Santo André em peça-chave do transporte regional é a integração tarifária com o sistema de São Paulo. Usando Bilhete Único e cartões integrados, o passageiro consegue, dentro de um determinado período de tempo, combinar viagens entre trem, metrô e ônibus sem pagar uma nova tarifa cheia a cada embarque.
Na prática, os trajetos mais comuns são quase automáticos. Trem da Linha 10 até Tamanduateí, transferência para a Linha 2–Verde, chegada à região da Avenida Paulista ou à Vila Prudente. Ou então desembarque no Brás, conexão com a Linha 3–Vermelha, viagem em direção ao Centro Histórico, ao Tatuapé ou a Itaquera. Há ainda combinações com outras linhas da CPTM, que ampliam o alcance das viagens para a Zona Norte, para o extremo leste e para as ligações com a Zona Sul.
Essa malha interligada faz com que a Estação Prefeito Celso Daniel seja, na prática, a “portaria” do ABC para quem precisa circular pela capital. Mesmo moradores de cidades vizinhas, como Mauá ou Ribeirão Pires, acabam passando por Santo André para agilizar o acesso ao metrô. É um ponto de passagem obrigatório para muita gente.
Efeitos na mobilidade e no desenho urbano de Santo André
A presença de uma grande estação ferroviária no centro da cidade não é neutra. Ela reorganiza o espaço ao redor. Aumenta o valor dos terrenos. Atrai comércio popular, serviços, bancos, restaurantes, camelôs. Puxa a abertura de novas ruas e avenidas. Foi assim com Santo André.
Desde o século XIX, a área próxima aos trilhos se tornou um polo de atividades econômicas. Primeiro com armazéns e pequenas oficinas. Depois, com o comércio de rua e, mais tarde, com galerias e lojas que dependem do fluxo intenso de pedestres. Quem caminha pela região da Rua Itambé, pela Oliveira Lima e vias próximas percebe como o entorno da estação ganhou cara de centro nervoso da cidade: calçadas cheias, fachadas com placas de todo tipo, ônibus chegando e saindo sem parar.
Em termos de mobilidade, a estação ajudou a consolidar um padrão de deslocamento que mistura trem, ônibus, trólebus e, cada vez mais, aplicativos de transporte e bicicletas. Para muita gente, ir de carro até o centro é sinônimo de enfrentar congestionamento e disputa por vagas. A alternativa de estacionar mais longe, pegar um ônibus de bairro e completar a viagem de trem passou a fazer parte da conta, principalmente para quem trabalha em São Paulo.
Por outro lado, essa concentração de fluxos também traz desafios. Acesso para pessoas com deficiência, qualidade das calçadas, iluminação, segurança, sinalização de travessias, tudo isso precisa acompanhar o volume diário de passageiros. E nem sempre acompanha. Dependendo do horário, a sensação é de espaço apertado, fila na faixa de pedestres, ônibus encostando colado um no outro. A estação, nesse sentido, mostra ao mesmo tempo o que o sistema de transporte da região tem de mais integrado e os pontos em que o planejamento urbano ainda precisa avançar.
Um hub regional, muito além de uma simples parada de trem
Quando se olha a Estação Prefeito Celso Daniel–Santo André em mapa de aplicativo, ela aparece como um ponto, um ícone de trem cercado por linhas coloridas. Na realidade, o que existe ali é um conjunto de camadas de mobilidade sobrepostas:
- a Linha 10–Turquesa costurando o ABC com o centro da capital;
- os terminais urbanos, que fazem a ligação de bairro a bairro dentro de Santo André;
- as linhas intermunicipais, que conectam cidades vizinhas;
- o corredor de ônibus e trólebus do ABD, garantindo um caminho relativamente estável em meio ao trânsito;
- as integrações tarifárias com metrô e ônibus da SPTrans, que permitem costurar longos trajetos sem precisar sair do transporte coletivo.
Para o morador do ABC, isso tudo aparece em forma de gesto simples: passar na catraca, encostar o cartão, subir a escada rolante, entrar no trem. Mas o efeito desse fluxo coordenado é enorme. Permite que um trabalhador more em Santo André, atue em São Paulo, estude em São Bernardo e faça um bico em Diadema, tudo no mesmo dia, usando combinações de trem, metrô e ônibus. Permite que estudantes tenham acesso a universidades fora de sua cidade sem depender exclusivamente do carro.
A Estação Santo André nasceu como um ponto de passagem em uma ferrovia do século XIX. Hoje, funciona como um grande entroncamento multimodal, em que trilhos, pneus e cabos elétricos de trólebus se encontram para fazer o ABC girar. Mistura memória, rotina e planejamento de futuro em um mesmo espaço, que continua sendo, dia após dia, um dos lugares mais movimentados – e mais decisivos – da mobilidade urbana da região.







